domingo, 28 de março de 2010

Na sala de aula


Chamava-se Laís. Não lembro mais seu segundo nome, telefone, número de identidade ou todo o resto que achei prudente guardar. Mas se chamava Laís e era isso o que fazia meu corpo estremecer. Tinha na pele uma tez suave e em cada olhinho duas pequeninas interrogações, dessas tipo Raio X. Na primeira vez olhou-me de relance, numa atitude suspeita de quem esconde o perigo. Depois mais firmemente, e sorriu. Sorriu da minha surpresa em vê-la como se de alguma forma, em tempos imemoriais, a tivesse conhecido. Sorriu do meu constrangimento de ser pego em flagrante desejando-a. Então perguntei-lhe, para disfarçar, sobre aula, sobre o tempo ou algo similar.
Me respondeu: “ É assim mesmo! “
“ O que é assim mesmo? “ Pensei me indagando. “ A aula? O tempo? Ou a paixão fulminante que me possuiu ali sem avisos ou preliminares, me afogando, me viciando daquele perfume que fluía desavisadamente do corpo dela?”
Depois percebi. Era a aula a que se referia. Comum como todas as aulas. As mesmas pontuações e cronogramas. O quadro negro cheios de exercícios. O mesmo enfado intelectual daqueles que não estão apaixonados.Contudo o agradável, o emocionante, era estar ali ao lado dela. Separados por uma ou duas cadeiras, mas perto o suficiente para seu coração e o meu tocarem compassados, porém irregularmente distintos, peças inéditas de um autor vagamente conhecido. O seu executando uma valsa em sua função vital. Já o meu um Jazz fortíssimo que produzia no meu rosto, suor e em minhas mãos um encharco trêmulo que balançava a banca logo à frente. Quarenta e cinco minutos, atravessando um deserto de sal e silêncio, perguntei o seu nome no ultimo segundo:
“ Laís!” Ela disse, mais uma vez sorrindo.
Foi como se dissesse: “Sim isso é um fato, você está me amando e não há como mudar isso!”
Abaixei meus olhos em fuga, belisquei a ponta do polegar tranqüilizando-me pela aula que havia acabado, de poder ir embora, de ser noite e ir para casa imaginando aquela boca encarnada se movendo dançarinamente os seus lábios macios. Porque amanhã eu a veria de novo. E depois e depois e depois... Amando-a, na sala de aula, na distância feliz e acomodada de uma ou duas cadeiras.


Leometáfora

Antes de você eu não existia!


Talvez eu não existisse. Ou era apenas um Fado que o cantor triste sorveu com a dor. Ou uma folha envelhecida e seca que flutuava seus segundos no ar antes de adubar a terra. Talvez, antes de você aparecer, eu estivesse dormindo nas minhas angústias. Envolto em vazio e escuridão. Mas ao avistar tua luz tudo mudou. Pois,talvez agora eu possa existir deveras para docemente te adorar.

Leometáfora

sexta-feira, 26 de março de 2010

Palavras rancorosas


As palavras sempre tiveram muita força em minha vida. Foram edificantes ou destruidoras.
Mas nunca mornas ou enssosas. Ah, confesso, já as usei para alguns dos desejos mais primitivos e egoistas.
Ja as arranquei muito novas do limbo. Ate abusei da inocencia de algumas delas. Ah, as palavras!
Ficavam imoveis enquanto eu as violentava, grintando ao mundo minhas dores e disilusoes,
e no final jaziam desonrradas no papel. Certamente por isso hoje me fitam rancorosas e dispostas a nunca mais colaborar.

Leometáfora

Meu melhor poema ainda não escrevi


Meu melhor poema ainda nao construi. Nao tive tempo de senti-lo cortando as minhas verdades.
Ele espera coberto das cinzas do meu dia, em algum lugar. E os que vierem depois dele,
nada contarão de eternidade e gentileza. Serao poesia descabida e sem forma.

Leometáfora

quarta-feira, 24 de março de 2010

Transformações


Solto a pele envelhicida. Troco-a como reptil rastejando em pedra. Ah, que ferida é essa que transforma?
Serei outro daqui a pouco, na peleja do passado com o futuro, corre o tempo que apaga as nossas pegadas.
Por onde voltarei? Nao existe manual para essa nova vida? E vou me sentindo o mesmo, porém outro.
Repitindo as mesmas coisas, que hoje me são tão novas.

Leometáfora

sábado, 20 de março de 2010

Ainda posso me reconstruir


O fato de que eu esteja morrendo diz muito pouco sobre mim. Eu não sou as noites mal dormidas. Não sou a sucessão de erros. Nem de longe, esse imenso medo de rejeição. Não sou o resultado do seu silencio. Do seu desafeto. Do seu desamor. Sou muito mais que essa insensatez que insiste em acreditar em tudo. Mas não me penses que já me conhece. Mesmo à beira do fim, nesse solitário segundo que me antecede,
ainda posso me reconstruir.

Leometáfora

quinta-feira, 18 de março de 2010

Vou deixar de te amar


Vou deixar de te amar.
Pois tudo se corroi, até os meus ânimos.
As lembranças compulsivas de tua carne,
os passeios entre a fome do hoje e a saudade do amanha no cofrinho de permissões e agrados, serão nulos. Retrato descolorido do passado.
Por tudo isso vou deixar de te amar.
Que fique claro para ti e para mim
o quanto renunciei a essa miragem.
Minhas palpitações derivadas do teu sorriso,
o desânimo que se instala quando não me percebes, a tristeza noturna dos lençóis vazios, serão nulos. Fumaça em ventania.
E no futuro, se o destino dividir para nós a mesma calçada. Seremos paisagem comum, figurando solitários, na fotografia de uma rua.

Leometáfora

sábado, 13 de março de 2010

Prefiro a escravidão da esperança.


Desejo alcançar seus pensamentos. Contê-los. Decifrá-los. Sugar da poesia de seu sorriso, a contenda de amor que ainda me cabe. Mas não sei se me cabe, pois meus polidos limites jazem sobre a terra seca. Já nem sei me doar como antes. - Que seja ela! Diz meu coração se repetindo em sua aflição. E eu digo: Não sonhe! Hoje estou fechado a incursões sentimentais. Só queria um pouco da paz que sua doçura representa. Depois podes ir sem olhar pra trás, se assim o escolher. Entretanto vou contar meu segredo agora. Aquele que guardei por tantos anos duvidando de ainda encontrar o amor. Era alguém como você que eu esperava. É esse o segredo que agora se desfaz, pois talvez o seu silêncio seja a sua resposta. Os dias permanecerão livres e frios, sem você. Dias inteiros no vazio que é ser livre sem teus beijos?
Nunca! Prefiro que sejas a dona dos meus sentidos.
Prefiro a escravidão da esperança, à dureza moribunda do ceticismo.


Leometáfora

Só posso te dizer uma coisa.


Só posso dizer uma coisa. Vejo o mundo diferente quando te percebo. Perco as razões tão brutalmente que é preciso horas para recompor os pensamentos. Talvez vagar pela vida sem tua pele seja um fardo insuportável para um ser tão atormentado pelo desejo de amar. Talvez faltem verdades que me levariam até você. Ou nesse sonho inóspito onde estou sentado numa praça, e a chuva torrencialmente se derrama, haja um impasse cruel entre meu desejo e o teu, de coexistirem, e começamos a achar a frieza do mundo acolhedora. Neste momento, insisto num olhar incômodo. Nem percebes, ou te salvas na dúvida, simulando interesse em alguma coisa ao teu redor?
Não sei! Deve ser mesmo difícil ser tão desejada assim.

Leometáfora

terça-feira, 9 de março de 2010

A volta


Deve ser de chuva o instante de tua chegada. Porque momentos assim são sempre nublados. Deve-se esse fato ao lirismo incorrigível do senhor do tempo. Algo de surpreendente virá em teus olhos que não poucas vezes foram lavados pelos atropelos dos dias. Os vizinhos que descuidados estiverem contemplando o frio na varanda, absorverão a alegria infinita de tua volta. Que importa se chegue fatigada, ferida, sem perspectiva. Destituída de alguns dos sonhos que me contastes. Que me importa tua pele ressecada pelo sol, pelos mares, por suas noites gozando a frio o calor dos segundos. Se mudastes de nome, ainda pra mim te chamarás Esperança. E vou te receber de uma alegria estúpida e risível. Que é o tipo de alegria que os que amam intensamente sofrem. Não quero escutar sobre teus passos passados. Quero o que daqui pra frente, construíres ao meu lado. Os tolos que condenarem a minha ausência de orgulho em recebê-la de volta, sentirão o prurido invejoso de verem em meu rosto o contentamento. As flores, atacadas de uma conversão de luz, se curvarão ao toque de tuas pernas cortando o jardim. As janelas, a tanto tempo abertas encontrarão o sentido da espera. E vou trocar o perfume guardado de tuas roupas antigas, pelo cheiro recente de tua pele, que será entranhado em minhas narinas.
Nesse dia não me faltará nada. Nada me poderá ser acrescentado.

Leometáfora

domingo, 7 de março de 2010

Olhos


O que pretende com esses olhos viciantes? Acorrentar-me aos teus pés? Varrer meu coração de lembranças para que só tu caibas, e sobre e se derrame?

Leometáfora

Triste Liberdade de Existir


Um homem só é livre, quando ele pode escolher entre viver e morrer. Quando seus dias findados o amarguram, e ele bebe a cicuta sorrindo. Mas aquele que tem vínculos nessa terra desumana, não é livre. Que o homem sinta-se feliz em ajudar os outros. Que isso o alimente. Mas que possa escolher à hora de deixar o palco quando não consegue mais encenar. Quando o peito não quiser mais gritar porque se viu inútil em seus lamentos. Hoje bebo o silêncio. Meus pés esqueceram por onde caminhar.
Minha poesia me olha desdenhosa.


Leometáfora

Sim ou Não


Pra revelar a dor, o amor. Sua razão austera, vendavais.
Pra sucumbir à veleidade do porvir. Unir, desunir, completar, se anular.
Esperar o incêndio secreto onde queimarás. Meu cais, meu porto, meu lar. Depois alto mar. Pélago que atormenta. Que desinibi a gritar. Conseguir entender se você. Antes mesmo de ver. Discutiu com a razão. Sim ou não? Discutiu com a paixão. Sim ou não? Se posso tentar. Toda roda girar. Se na sorte eu tirar.
Coração.
Sim ou não?
Me responde outra vez. Pra que possa saber.
Se foi eu ou você. Que esqueceu de dizer... Pra parar.

Leometáfora

quinta-feira, 4 de março de 2010

Eu sei ( Uma Resposta )


Eu sei que você tentou não deixá-la partir.
Eu sei que quanto menos sonhou, mas foi difícil encontrar alguma coisa real para se agarrar.
Eu sei, meu caro, o quanto lhe fez bem acreditar que ela um dia lhe amaria.
Porém você sabe que ela espera alguém perfeitinho e colorido que a complete, e você não é assim.
Você é esse ser cheio de defeitos e planos frustrados que se acumulam no chão.
Eu sei que a noite, como todo mundo normal que vive sozinho, você chora, deseja colo, ou apenas
ouvir o som de uma voz amiga.
Eu sei das historinhas que escreve em segredo, mas que nunca termina, porque talvez terminando este seja o seu fim.
Eu sei de tantas coisas, meu irmão.
Dos poemas que ela nunca vai ler. Das canções que ela nunca vai escutar. Das horas perfumadas que você prepara para ela
em seus sonhos românticos.
Ela não sabe, mas eu sei.
Sei que o tempo vai te deixando mais velho e mais humano. Mais frágil e mais emotivo.
E sei que você gostaria de fazê-la acreditar que pode ser feliz ao seu lado, mas você não pode.
Porque quando eu olho pra você e me percebo tão distante, eu sei que aquele outro, aquele menino de bermudas e chinelas
voadoras não existe mais. E esse que te escreve é o que te sobrou, quando tentastes cavalgar as estrelas.


Leometáfora

segunda-feira, 1 de março de 2010

Carta de Amor nº 03


Já é dia. Não dei cabo do que me fere. Exausto escrevo outra carta com o mesmo nome de última. Gozo de alguma liberdade nessa hora. Não penso em te contar das minhas descobertas. Guardo pros dias de nossa velhice. Estou confuso! Será calma ou resignação? Sabe, eu nem sei! Mas não é medo. Existem momentos na vaga do tempo onde respiro melhor. Será você pensando em mim? Ou será a súbita melhora que antecede o mórbido barqueiro? Não! Não leves minha alma nefasto! E nem tardes a ir. A outros povos a devastar. Minha essência pertence a essa dama à qual escrevo agora. – Pronto! – Ele se foi, minha doce amada distante. – Temos mais alguns segundos! – O que tens feito? – Qual flor colherás hoje pra enfeitar teus cabelos? – Quem te fará sorrir esperando tomar toda uma vida numa boca? – Ah! Disfarço bem o ciúme?
– Ou o choro sufocado ainda me escapa?

Leometáfora