domingo, 31 de janeiro de 2010

Cotidiano

Vaza a luz pela fresta de uma janela. É dia. Atrevo-me e levanto. De um pouso azul tudo parece se revelar. O quarto tem um desânimo que o asseio e harmonia disfarçam bem. Estou só. As cores infantis desbotaram da parede do meu peito. Já não me pretendo livre. Teço nas vagas das horas, doces lembranças de teus beijos. A fuga dos sonhos irrealizáveis. Como alguma coisa. Me encho de estímulo com café. Não fumo. Tenho medo de perder algum dos dias destinados a te esperar. Sigo para trabalho. O birô estático, como sempre estivera, me convida. Escrevo,escrevo,traduzo. O colóquio de certezas põe-me a filosofar. Aonde estou preciso ouvir alegrias e tristezas das pessoas. Com isso tenho aprendido bastante. Já podes voltar, acredite, amadureci. Arquivos os projetos concluídos. Examino pendências. A tarde nada como. Últimos ajustes. Minha mesa está limpa. Tudo pronto. Volto dormente. Sem grandes tumultos. O ônibus faz sua linha silenciosa para o campo. Moro num lugar tranqüilo. O que conheço sobre caos brota do meu interior. Já casa, tomo um banho frio. Como alguma coisa. Evito a cafeína à noite. Preciso dormir. Quem sabe seja o sonho de hoje que trará você?

Leometáfora

Verdade

Não és meu poema. És bela e sadia, mas não fazes parte da minha poesia.

Estou só

Estou só. A gruta obscura da esperança esconde seu monstro devorador. Meus dias foram aniquilados por ele. Minhas unhas desgastadas de cavar a alma a procura de sonhos, caíram. Já posso olhar pra você e não sentir meu peito confrangido. Na verdade devo estar morto. De alguma forma espetacular, morto. Sem o crime da desistência. Apenas falido em toda e qualquer essência. E esse terrível monstro é a opção não experimentada. A porta esquecida. A saída não escolhida.

Recomeço

Vou cortar os cabelos, aparar as unhas, refazer a barba. Escolhi a melhor roupa. Deve ser hoje. Quase não percebo quanto me repito. Quanto me confundo, me limito. Sou soberano em minha solidão. A janela da sala, esse meu espelho do mundo, me enche de esperanças. Deve ser hoje. A promessa de uma tentativa derradeira. Como foi ontem e como tem sido durante quase todo tempo. A possibilidade de tudo da certo me alimenta. Uma última olhada na casa. Tudo na exatidão caótica de costume. Calço os sapatos. Reviso os cheiros do meu corpo. Pronto. Estou na rua. Estou me expondo. Eles já não olham como antes. Já não trocam o bom dia em alegres acenos. É uma enorme tela em metal frio. Riscada com uma faca cega e egoísta. Contudo ao lembrar de tuas mãos me ensinando, eu insisto ante as caras amarradas, ante o virar de olhos em desassossego. Me tornei assim também? Meus olhos marejam. Vou gritar para alguém. Uma voz sufocada me abandona e a alcança. A moça sorriu e retribui com um gesto ensaiado antes de entrar no ônibus. Ajudo uma senhora com algumas sacolas. Ela custou a me permitir o peso de suas compras. De certo teve medo de mim. Do meu rosto ansioso de me misturar. De fazer parte desse tempo que neguei ao meu corpo. Mais um sorriso.
Outro presente para meu coração fatigado. Acho que estou errado. Ainda sei amar. Ainda posso caminhar pelas ruas e ser livre. Volto pra casa, satisfeito. Amanhã vou tentar mais um pouco. Ir adiante. Mais alguns passos. Quem sabe uma nova esquina? Tentar outros gestos. Outras pessoas. Outras vontades. Então vou me tornar uma pessoa melhor que hoje. E depois de amanhã ainda melhor. E a liberdade me saltará nas verdades que escrever pra você. A liberdade me guiará novamente ao teu caminho, no momento que estiver apto a te acompanhar.

Leometáfora