domingo, 31 de janeiro de 2010

Recomeço

Vou cortar os cabelos, aparar as unhas, refazer a barba. Escolhi a melhor roupa. Deve ser hoje. Quase não percebo quanto me repito. Quanto me confundo, me limito. Sou soberano em minha solidão. A janela da sala, esse meu espelho do mundo, me enche de esperanças. Deve ser hoje. A promessa de uma tentativa derradeira. Como foi ontem e como tem sido durante quase todo tempo. A possibilidade de tudo da certo me alimenta. Uma última olhada na casa. Tudo na exatidão caótica de costume. Calço os sapatos. Reviso os cheiros do meu corpo. Pronto. Estou na rua. Estou me expondo. Eles já não olham como antes. Já não trocam o bom dia em alegres acenos. É uma enorme tela em metal frio. Riscada com uma faca cega e egoísta. Contudo ao lembrar de tuas mãos me ensinando, eu insisto ante as caras amarradas, ante o virar de olhos em desassossego. Me tornei assim também? Meus olhos marejam. Vou gritar para alguém. Uma voz sufocada me abandona e a alcança. A moça sorriu e retribui com um gesto ensaiado antes de entrar no ônibus. Ajudo uma senhora com algumas sacolas. Ela custou a me permitir o peso de suas compras. De certo teve medo de mim. Do meu rosto ansioso de me misturar. De fazer parte desse tempo que neguei ao meu corpo. Mais um sorriso.
Outro presente para meu coração fatigado. Acho que estou errado. Ainda sei amar. Ainda posso caminhar pelas ruas e ser livre. Volto pra casa, satisfeito. Amanhã vou tentar mais um pouco. Ir adiante. Mais alguns passos. Quem sabe uma nova esquina? Tentar outros gestos. Outras pessoas. Outras vontades. Então vou me tornar uma pessoa melhor que hoje. E depois de amanhã ainda melhor. E a liberdade me saltará nas verdades que escrever pra você. A liberdade me guiará novamente ao teu caminho, no momento que estiver apto a te acompanhar.

Leometáfora

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